1000 Caracteres

A chave do universo

Tudo o que precisava estava ali nos molhos de chaves.
Gemiam nos cantos e junto aos móveis, entrelaçando-se no equilíbrio frágil da sua inutilidade. Penduradas de fios, por sua vez pendurados em pregos ferrugentos que as violavam em sucessivas vagas de oxidação. Chaves espalhadas na cama, apertadas umas contras outras no polibã, nas reentrâncias dos azulejos por cima do lavatório, cobrindo o chão como que por pudor, lutavam para respirar apertadas nas gavetas enquanto se argumentavam sobre um destino não concretizado.
Resignavam-se agora à espera. Viam.
Viam como controlava os ímpetos da vontade com movimentos lentos, ponderados, lutando para caber ali. A última coisa que queria era ser devolvido a uma rua cheia de portas. Ali tinha todas as chaves. Já não precisava de portas. Tinha uma e estava fechada. E ria de todos. Dos exteriores. Dos expostos. Estava do lado de dentro e tinha as chaves todas. As chaves que poderiam abrir todas as portas do mundo. E eram tantas as portas por abrir. E voltava a rir-se de um mundo escancarado. E enquanto se ria esquecia a fome, a sede, o sono, a memória. Só se lembrava do medo de um dia alguém lhe abrir a porta com uma chave mestra.

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