Filologia Livre da Pop do meu poluído imaginário

daftpunkDAFT PUNK

Around the World, 1997

Thomas Bangalter / Guy-Manuel de Homem-Christo

Em 1968, por altura do meu terceiro aniversário, a minha mãe decidiu presentear-me a mim e ao meu irmão com uma viagem a Paris argumentando que seria não só um bom tempo que passávamos juntos como uma “boa experiência de terreno”, o que só compreendi anos depois, vendo fotografias da “famosa noite das barricadas”.

Acabámos a noite em casa de um seu antigo namorado, um português que tinha sido o mais jovem agente da resistência francesa no tempo da guerra, de seu apelido Homem-de-Cristo.

Guy estava ainda longe de nascer, mas lembro-me do seu irmão e de o meu irmão me contar que andava com ele a deambular pelas manifestações, entre as quais teve a oportunidade de lhe passar alguns dos seus interesses e conhecimentos em encriptologia. 

No momento em que novas teorias sobre o momento do mundo emergem impelidas pela crise, debruço-me (com vénia) este mês sobre aquele que considero ser o (único?) grande hit do novo século, e que como todas as grandes coisas novas de cada século foi criado no século anterior. 

E debruço-me com o firme intuito de resgatar a sua honra do poço profundo em que os arautos do pós-modernismo o afogaram reclamando-o para eles como o ícone máximo do seu movimento.

Mal os primeiros sons da linha de baixo foram aflorados no quarto de Thomas, abanando as estruturas da música em todo o mundo, que todos os utilizadores de cartões de Frequent Flyer se puseram a caminho de Paris, com se fosse Meca, para prestar homenagem aos novos génios da pós-modernidade.

Como tantos outros artistas no seu tempo, os Daft Punk foram incompreendidos no estilo e na substância. 

O nunca terem reclamado pelo equívoco e terem esperado até hoje para que a verdadeira história fosse conhecida, prende-se com uma das premissas do movimento que preconizam e que os impedem de comentar a criação. Trocado por miúdos “o que está feito está feito e não vale a pena falar mais sobre isso.”

Com a queda do pós-modernismo nas fendas da crise, surgem agora os alter-modernistas com a tentativa de usurpar a paternidade de uma ideologia que foi forjada nos corredores do liceu de Paris onde estudavam. Mas mais uma vez, os Profissionais da Classificação dos Tempos equivocaram-se.

Nem pós-modernistas, nem alter-modernistas, Thomas e tt-Manuel são Desmodernistas – tão modernos, tão modernos que recusam a própria concepção
de modernidade dado que ela não tem tempo para existir segundo a sua configuração espaço-tempo-vontade. 

É aqui que relativizam Einstein
ao acrescentar ao conceito do tempo e do espaço o elemento da ideia e da vontade. Ou seja, o tempo e o espaço deixam de ser unicamente influenciados pela gravidade
e passam a ser essencialmente influenciados pela vontade e pela certeza absoluta que ninguém determina a verdadeira razão por que algo é feito.

Vontade é a palavra síntese de uma estrutura de significação profunda que determina a natureza do Desmodernismo,
e que se pode resumir em: se eu não tiver vontade, não faço. E se fizer não vai sair bem.

E desenganem-se aqueles que vêem aqui o fantasma de Schopenhauer. Enquanto que para ele a vontade habita fora do espaço-tempo, para os Daft Punk não existe sequer espaço-tempo.

Portanto, podemos concluir que não sendo uma conspiração objectiva, “Around the World” não é um exercício hedonista de homenagem a uma geração que dorme no sofá porque não conseguiu chegar ao quarto. 

É um manifesto artístico, uma nova utopia que obviamente se serve das suas próprias regras para construir o seu discurso.

Se nunca há tempo nem espaço para lá do que exigido pela vontade, a síntese tem que ser imediata e sensorial e o
conteúdo é aparentemente subjugado
à forma.

E digo aparentemente, porque “Around the World” ao invés de uma não frase, apresenta-se como um dos mais obscuros exemplos de encriptação da
actualidade. 

Deixo-vos com a letra e a sua desencriptação na esperança que o mundo deixe de subestimar as contribuições da música pop para o futuro funcionamento do universo.

 

Around the world, around the world

Around the world, around the world

Around the world, around the world

Around the world, around the world 

(x 144)

 

 

All that happens is art 

Revolutions are not

Open your arms if you’re sleepy

Undress yourself if it’s hot

Never listen to a serious man

Don’t be afraid of the dark

 

 

Take me to your private parts

Honour your fading memory 

Enlight your day with irony

 

 

Wander in space, gps is no good

Opress time with your thirst

Release your will to the lions

Live each day as if it was the first

Don’t mind if you’re not understood

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