RARESH

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Na música, só se costuma falar da idade quando ela realmente interessa. Quando se é demasiado precoce, quando se muda a voz, quando se atinge estatuto venerado, quando se é estrela de outras gerações – a idade, a maioria das vezes mais do que a própria música, é elemento qualificador. Torna um menino num pianista genial, dá a um adulto um desnecessário destaque numa boys band de adolescentes, dá distanciamento ao génio, confirma talentos que foram incompreendidos no seu tempo.

Depois, há gente como Raresh, que desafia todas as normais convenções sobre um percurso na música. E desafia-a, do alto dos seus 25 anos, ao compreender a música de dança como se tivesse acompanhado toda a sua génese na primeira pessoa. Como se a Roménia fosse um subúrbio de Detroit, como se Bucareste e Chicago estivessem a uma hora de viagem, como se a sua natal Bacau tivesse uma discoteca chamada Hacienda numa das suas ruas. Mais impressionante fica esse percurso se pensarmos que é da Roménia que estamos a falar, fechada que esteve, até 1989, pela Cortina de Ferro, ao Ocidente e à música de dança, que no Ocidente despontava. Conhecidas as diferenças entre Ocidente e Bloco, não estaremos longe da verdade se dissermos que um vinil importado dos Estados Unidos, na década de noventa, seria bastante incomum na Roménia.

Com apenas 15 anos, Raresh torna-se residente de um clube em Bacau, ganhando ali as horas de pista necessárias para hoje olhar para quem tem à sua frente com o seu tradicional sorriso na cara. Muda-se para Bucareste em 2003, e ganha o seu espaço. Dois anos depois, já é convidado regularmente para fazer as aberturas de artistas com peso e trabalho de relevo, cativando aplausos e elogios não só pela sua boa disposição atrás dos pratos mas, principalmente, pela forma original como construía os seus sets. Com a Roménia longe do eixo Detroit-Londres-Berlim, Raresh, juntamente com Rhadoo e Petre Inspirescu (também conhecido como Pedro), desenvolvem uma linguagem musical muito própria. E assim, com o reconhecimento gradual, que foi acontecendo por toda a Europa, de que o tech house dos anos 90, alicerçado em Chicago, ainda tinha muito para dizer, Raresh ganha estatuto de peso ao conseguir impor sonoridades diferentes às habitualmente presentes num sábado à noite de uma discoteca em 2005 ou 2006.

“Com tanta música boa no mundo, tem de se ser um DJ muito desatento para se gostar apenas de uma só vertente da música de dança”, diz Raresh. Concorda-se com a frase, que é, por si, suficiente para evidenciar todos os diferentes impulsos que Raresh impõe aos seus sets, do house ao techno, do minimal ao disco house, do tech house aos ritmos mais orgânicos com salero latino. A sua capacidade para a escolha do trigo, no meio de tantos anos de música de dança, e para a sua contextualização, junto a temas acabados de sair, ajuda a dar respostas a quem tenta perceber a ascensão de Raresh. Sucesso e reconhecimento que também se vêem na quantidade de gente que escalpeliza os seus sets à procura do tal disco, numa ânsia compreensível de ter a mesma mala que Raresh. Como se isso os tornasse mais próximos dos seus ídolos. E poucos DJs actualmente contam com tantas perguntas de “o que é isto?” como Raresh. Clube que é dele, de Ricardo Villalobos, de Richie Hawtin, de Magda, de Luciano, de Loco Dice, de Zip e de poucos mais.

Fica contada, no entanto, só parte da história. Até porque ao se falar de Raresh e do seu percurso como DJ, ter-se-á de mencionar o papel que Ricardo Villalobos desempenhou na legitimação de Raresh perante um público pouco habituado a olhar a Roménia como novo pólo do eixo da house e do techno. É o próprio Raresh que reconhece o apoio dado por Ricardo Villalobos àquela que se tornou numa das rotas de ascensão mais impressionantes de um outsider na história recente da música de dança. A modéstia de Raresh, no entanto, só o fará concordar com a primeira parte da afirmação e descartar a segunda. A mesma modéstia que revela, no meio de sorrisos, que a plataforma editorial que criou com os suspeitos do costume, Rhadoo e Petre Inspirescu – a Arpiar (lê-se RPR, iniciais de Rhadoo, Pedro e Raresh) – serve mais para ajudar a causa romena da música de dança do que propriamente para ele editar temas. “Tenho ainda muito que aprender, em relação a produzir”. E por isso Raresh prefere continuar atrás dos pratos que conhece tão bem, a sentar -se à ainda desconfortável mesa de mistura de um estúdio. Perante a insistência da pergunta, relembra logo a seguir que “ainda sou um puto”. O sorriso aberto, logo a seguir denuncia que está a dizer a verdade. Puto, sim, mas já falas como gente grande, Raresh.

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