Quimpostor

bussola

Vou-vos dizer a verdade: já não me apetece mentir.

Alguém tem o número do Lavoisier?
Ele tem Facebook?
Precisava de falar com ele.

Tenho vindo a perceber que começar de novo pode ser tão difícil como continuar. Começar de novo é cada vez mais difícil porque cada vez mais vamos sentindo que não há tempo para perder. Mas há. Todo o tempo é para perder. Acho mesmo que é a única maneira de ganhar. Parece que só entendemos a ideia de paciência quando passamos a olhar para ela como um luxo, quando percebemos que sempre devíamos ter sido pacientes. Aprendemos a esperar quando já não temos tanto tempo para o fazer.
Não existe começar de novo, existe começar outra vez. Mesmo que queiras, nunca viajas sem bagagem. Somos todos preciosos, porque somos todos passaportes palimpsestos – por baixo do carimbo de onde estamos estará sempre o carimbo de onde viemos e assim sucessivamente. Novos são os destinos. O viajante é todas a viagens que fez e que vão condicionar todas as outras viagens futuras, ao futuro. O importante é a viagem, porque todas as viagens são de voltar a casa, seja lá onde isso for, o que isso for, seja lá quem isso seja.
Pela costa da Califórnia os putos têm usado o Google Earth para procurar piscinas vazias ou abandonadas, para andar de skate. Mesmo entediados não desistem, dão um passo para trás, ou para cima, para verem a Califórnia toda e escolherem o próximo passo, como se a fronteira ainda existisse. É isso que tenho de fazer também, olhar de cima para o que tenho dito e ver o que ainda não disse, o que ficou por dizer e talvez, neste momento a mais importante das perspectivas, para ver o que já disse. Esta piscina da mentira está cheia, não acho que tenha mais para dizer sobre a treta. Aqui já me sinto preso e repetido. Já chega, vou-me apontar à fronteira, vou para a praia.
Complicar é simples. Deixares-te ir em desverdades e não-mentiras é tão fácil como engolires pirolitos nos quebra-cocos do Meco. Complicar é simples. Ergueres biombos e máscaras que são garantes de segurança para falares de longe, constroem um sítio afastado de chatices. Agora mostrares-te sem roupa e, como a Gabriela, dizeres que és assim, isso aí, é um sítio vulnerável. E ser vulnerável é de homem, é eloquente e muito mais próximo de uma verdade qualquer. É aí que me apetece estar, apetece-me é ir por aí.
O mentiroso já não precisa de mentir, porque quer acreditar nele próprio.
Pensem nisto como um obituário em vida, como um testamento de um desprovido sem nada a perder, como uma nota de suicídio de quem decidiu viver um pouco mais. Hoje e aqui, leiam a morte do Quimpostor.
Inventei o Quimpostor para me proteger. Proteger-me do pouco cuidado que tenho a pensar e da velocidade com que me saía da boca aquilo que penso; proteger-me dos olhos inteligentes que me lêem; proteger-me da libertinagem do que digo; proteger-me a mim de mim. Enquanto achava que vos entretinha, bocados importantes meus apareciam à minha e à vossa frente. Precisava de um escudo, de um preservativo. Mas eu não quero foder, eu quero fazer amor.
Enquanto conversava aqui convosco punha uma caraça. Por cima dos parágrafos que escrevi todos estes meses encabeçava o “vou-vos dizer a verdade: eu minto.” Este truque corrompeu o que durante todos estes meses se foi tornando mais exposto, vulnerável, honesto. Enquanto me fui mostrando cada vez mais, tinha sempre ali um alçapão, uma fuga pronta a usar, a dizer que o que se seguia podia muito bem ser mentira. Como podiam vocês confiar naquilo que vos dizia quando eu próprio não confiava? Comecei a sentir que não estava a ser justo convosco, porque não estava a ser justo comigo. Quis emocionar–vos, quis saber de mim e fiz figas.
Falei-vos do que inventamos para sobreviver e das tretas que nos entremeiam, ao mesmo tempo que pedia para nos aproximarmos e para nos deixarmos de tangas. Disse-vos que me sentia sozinho porque percebia que esta solidão é par-tilhada por todos. Mas disse tudo isso através de uma das maiores responsáveis do nosso afastamento uns dos outros – a mentira. Por isso já chega de Quimpostor. Não quero esta distância entre mim e o que digo, não quero esta distância entre nós.
Eu sei que a escrevi sexy, eu sei que a escrevi utilitária, eu sei que a escrevi divertida e sofisticada, mas acho que depois de isto tudo cheguei à conclusão que procurava – a mentira não rende.
Aprendi e transformei-me, olhei para mim e vi-me. Agora vou de férias, vou começar outra vez. Vou simplificar.

Obrigado,

Quim Albergaria

1 Response to “Quimpostor”


  1. 1 Bruno Leal

    Mas de quando em quando a mentira volta, como uma amante que não queremos rever mas que insiste em nos aparecer quando pensamos já a ter ultrapassado. Um sinal da fraqueza que somos e do amontoado de sensações negras que nos povoam sem querer, ou sem querermos, porque elas querem.
    E a verdade onde fica? Quererá ela que a mentira apareça de quando em quando para lhe darmos mais valor?

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