A importância de ser: Carl Craig

carlcraig031É um dos históricos do techno mas a sua marca estende-se muito para lá dele. Carl Craig, C2, volta ao Lux para mostrar de onde vem tanta admiração e respeito.

Há 3 coisas que associo a Carl Craig sem ter de pensar em techno: o drum’n’bass, porque quando a cena começou se dizia que o “Bug In the Bassbin” (1992) tocado a 45 rotações era a faixa perfeita de jungle; O ter tocado o “Crazy In Love” da Beyoncé quando veio ao Lux no Verão de 2003 e o entusiasmo de Yen Sung a contar a história; Os LCD Soundsystem a tocar o “Throw” de Paperclip People ao vivo, com o James Murphy em transe a tocar percussão. Muitas outras coisas podem ser ditas sobre um dos produtores mais importantes do techno de Detroit, mas estas dão uma ideia da importância de Carl Craig para lá desse universo. E se tocar o “Crazy in Love” no ano em que saiu não parecer nada de especial, pense-se em quantos estariam à espera de ver um produtor e DJ associado à música de dança mais esclarecida ceder à tentação fácil da canção pop. Mas, hei!, este homem é capaz de remisturar Cesária Évora, Goldfrapp, Delia Gonzalez & Gavin Russom ou Junior Boys e soar sempre incrível. Surpreender está na sua natureza, por isso ninguém realmente estranha nada vindo dele, nem o facto de remisturar compositores clássicos como Ravel e Mussorgksy. “Recomposed”, a operação de reconstrução levada a cabo com Moritz Von Oswald sob a chancela da respeitável Deutsche Grammophon é a mais recente prova de ousadia e iluminação estética de C2. Afinal, quem se atreve a mexer no “Bolero” de Ravel?
Agora o techno. A importância de Carl Craig não é espartilhada por rótulos nem pelas fronteiras de uma cidade, mas ele é um dos grandes de Detroit, a cidade da Motown e dos automóveis, que a santíssima trindade Juan Atkins, Derrick May, Kevin Saunderson transformou em sede do techno na primeira metade dos anos 80. Os pioneiros do techno, com quem Craig aprendeu as bases, eram visionários, influenciados em igual medida pelos Kraftwerk, por Alvin Toffler e pelos comics e séries de televisão futuristas tipo “Star Trek”. A inspiração perfeita para criar a banda sonora do futuro, um imaginário que esticava a cronologia até ao ponto em que se tornava credível viajar no espaço-tempo ou entrar em simbiose homem-máquina. E na pista de dança, com a propulsão robótica a sacudir corpo e cabeça, podia–se de facto viajar no espaço-tempo e tudo o resto, até mesmo um humano julgar-se máquina.
Aparentemente C2 foi “apanhado” pela onda techno no início da adolescência, via rádio, quando ouviu os primeiros discos de Cybotron, ou Juan Atkins. Mas são várias as entrevistas em que confessa ter-se convertido à electrónica através de discos como “PopCorn” (o disco das pipocas, lembram-se? Instrumental electrónico de 1972, um dos hits mais improváveis da década de 70) ou “Switched on Bach” (um disco de Walter-mais-tarde-Wendy-Carlos lançado em 1968 com versões de Bach tocadas em sintetizador Moog, outro ovni completo que foi um enorme sucesso comercial). Estas foram as raízes. Pelo meio, e antes de chegarmos ao momento actual em que Carl Craig faz parte da aristocracia musical, para não dizer da realeza (foi nomeado para um Grammy, não ganhou mas isso até lhe fica bem), também houve a influência do electro funk, de George Clinton e de Prince, dos B-52’s, dos Cure, dos Art Of Noise e a preparação académica na área da electrónica, com teoria e tudo. Isto e ainda o interesse pelas particularidades do som e das máquinas, o génio, a técnica e o carisma e tudo se explica.
Aos 40 anos, C2 é um dos DJs e produtores mais respeitados da música de dança, tem um crédito enorme no universo do jazz, dirige a Planet E, programou e programa festivais de música electrónica e, basicamente, é admirado e respeitado por todos, porque é bom e merece.
Pertence a um grupo restrito de estetas aventureiros cuja visão persiste como motor de uma música de dança cerebral e emotiva, física e espiritual que satisfaz o corpo, alimenta o sonho e pode ser até pretexto para conversas eventualmente eruditas, românticas ou económicas sobre o techno e sobre Detroit, o seu passado, presente e futuro, mas sem nunca deixar de ser todas as outras coisas que não se pensam nem teorizam, mas que se podem sentir intensamente numa pista de dança.
Carl Craig é uma figura mítica, é um privilégio vê-lo tocar.
(Investiguem ainda Paperclip People, 69, Innerzone Orchestra, tudo peças do mesmo puzzle e ouçam “Sessions”,
o disco duplo que assinou o ano passado para a Studio K7. Um manifesto com o essencial do que faz com que Carl Craig seja GRANDE!).

3 Responses to “A importância de ser: Carl Craig”


  1. 1 Paulo

    Um Monstro =D

  2. 2 GB

    Conheci a obra de Carl Craig pelos PODCASTs do LUX, despertou-me tal curiosidade que não pude perder a sua vinda à cabine do rés do chão do LUX.
    Foi mais uma daquelas noites loucas onde o publico estava ao rubro :o)
    Foi um gig daqueles que não se esquece e que nos faz ansiar pela próxima.

  3. 3 marta

    Carl Craig…at LuxFragil …quando???

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