Cardiologia

Talvez na sua vida o maior estímulo fosse a curiosidade.

Era o motor de tudo: aproximava-se

de todas as mulheres que conhecia,

mas só lhe interessavam os seus corações.

Cultivava com método essa obsessão

e tal como as crianças costumam fazer

aos brinquedos preferidos,

também ele queria vê-los por dentro,

saber ao certo como funcionavam,

desfibrar lentamente cada esperança,

dissecar com um rigor quase científico

cada angústia ou desejo inconfessável

até saborear o gosto sempre novo

de cada uma dessas células.

Após cada experiência, observava

aqueles corações já desmontados

e, por não conseguir juntar as peças,

guardava-as uma a uma no seu peito.

Era um lugar seguro

e com tantos pedaços de outras vidas

na sua pulsação descompassada

podia enfim acreditar

que tinha também ele um coração.


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