Quimpostor

Vou-vos dizer a verdade: eu minto.

Estou pronto. Estou pronto. Estou pronto. Estou pronto para começar a sentir-me satisfeito. Estava a gozar, não estou nada. Ser um humano a querer ser feliz é como andar de bmx – o fixe são as derrapagens, o vento na cara, os saltos, andar rápido, os pés presos na cremalheira e a surpresa ao fim da curva. Bem-vindos, é um novo dia e o Quim volta a mentir.

Finalmente já tenho o meu gira-discos a funcionar e estou obviamente a compensar os meus discos e a passar mais tempo em casa. É mesmo bom poder passar tempo de qualidade com as minhas colecções quase completas de Fleetwood Mac, Cindy Lauper e Fucked Up. Name dropping à parte, um destes fins de tarde ou princípios de noite (o Inverno confunde-me) recebo um telefonema. Era um daqueles telefonemas de levar o comum dos mortais à demência, daqueles que provocam calvície automática. Era um daqueles telefonemas que as centrais telefónicas todas informatizadas das empresas de telemarketing fazem para saberem a que horas é que estás em casa. Era um daqueles telefonemas para desligar logo, mas não foi isso que eu fiz.

Do outro lado, um quase silêncio, uma ligeira estática e mais nada, som nenhum. “Quem é? Sim? Quem é? Quem é?!” Podia ter começado às caralhadas e desatado num parkour linguístico por todo o meu léxico de rua, mas não. Tinha tudo para me irritar, mas mantive-me calmo. Senti que estava a ser ouvido, sem condescendências nem falsas intenções. O Universo tinha ligado a querer saber de mim.  

Ao princípio larguei uma mentira parva e circunstancial – “’Tá tudo bem.” Depois, gradualmente, fui baixando escudos “Quer dizer, podia estar melhor. podia deixar de me maltratar e deixar-me descansar. Podia ser meu amigo e deixar de dizer sim a tudo. Podia deixar de ser a putinha bacana que insiste em arcar com a tarefa ciclópica de querer que toda a gente goste dela. Podia pensar com três meses de antecedência e andar em vez de correr. Podia estar melhor, sim.” O cosmos continuava calado. Aí confesso que me exaltei um bocadinho “És o grande paternalista da merda! Não és condescendente, és omnicondescendente, é o que tu és. É muita fácil ser-se o Universo, distante e contido, misterioso e em expansão. Posso fazer o que eu quiser porque eu sou tudo e tudo vem e vai para mim. Assim também eu.” Nobre e muito bem-educado, não respondeu. “Desculpa. Se calhar fui um bocadinho desagradável. Na verdade, tenho é que te agradecer por me dares a oportunidade de estar vivo e de te poder ajudar a expandir. És um mistério bacano, tenho de admitir.” Com uma classe infinita, manteve-se em silêncio, o Miss(ter) Universo. “Mas olha, aqui entre nós, e já que a conversa está a correr tão bem, estamos na boa, não estamos? Não queres dar-me umas dicas, só umas luzezinhas? Não te estou a pedir a razão disto tudo, algo me diz que não ia aguentar, até porque não tenho muito tempo e tenho de acabar este texto para o Lux e tu sabes como eles são com deadlines. Também não queria o segredo da felicidade, ficava bem assim, só com um segredo feliz.” De repente do outro lado um som, uma resposta “ PI. PI. PI. PI. PI. PI. PI.” E desligou.

É mesmo à Universo. Não podia ter sido claro, não. “Vou-te largar uma cena em código, uma charada, uma adivinha e tu amanhas-te”. Suspiro cósmico…

PI? 3,14159265…? Eu sei que é um padrão. Uma coisa que se repete infinitamente, uma verdade universal qualquer, mas não faço a mínima ideia que utilidade tem para mim. Como é que isto me ajuda se eu não a percebo? Se calhar não é isso que ele queria dizer. PI? PI? PIPI? PIPI? PIPI!! O PIPI!! É isso que queria dizer: o Universo estava a falar de gajas.

Quer dizer que isto tudo, a vida, nascemos, envelhecemos, construímos, destruímos e morremos para as gajas e por causa das gajas? Por isso é que isto é difícil. Por isso é que as gajas são difíceis. Porque a vida não é fácil.

Por exemplo, eu gosto da miúda e manifesto-o. A miúda é uma verdade cósmica que não consegue processar intenções directas e honestas. Eu digo-lhe, ou insinuo flagrantemente qualquer coisa na linha do “Quero-te levar a jantar, fazer-te rir, beijar-
-te na boca, despir-te, ficar nu, para depois nos cansarmos ao mesmo tempo” e não me atende o telefone, nem responde às mensagens ou aos e-mails. Depois passo por stalker ou totó que não percebe dicas. Ela não é correcta a dizer o não e eu fico a pensar o que fiz mal. A verdade não parece engatar. O romance tem uma grande parte de treta, teatro e mentira. A verdade é como a barba: pica. A mentira é fofinha, suave, lúbrica, como um pipi. E a barba pica o pipi.

O que é um grandessíssimo broche. Mentes para engatar, mas depois tens de começar a dizer a verdade para construíres uma relação de confiança. Ou seja, para lhe baixares as guardas (as cuecas), mentes. Mas para ficares nas guardas (e continuares a baixar-lhe as cuecas) só podes dizer a verdade. Quem conseguir ficar são com este sistema a reger a coisa do apaixonar, merece uma medalha ou um par de estalos.

Mas faz sentido, excluindo o disparate estereotipado escrito a cima, que a razão de fazer e continuar a fazer seja o que for, seja as gajas. E quando digo gajas leia-se Amor. O Universo respondeu-me PIPI porque é o que eu curto e onde insisto em procurar Amor. E pelo que parece estou à procura no sítio certo: na tranca, a expressão comprimida do arcaísmo entre as ancas.

Por isso estou feliz e com força para continuar. Descobri com um simples e silencioso telefonema que o segredo feliz do Universo está comprimido entre as ancas de quem tu gostares e que a vida é uma grande difícil procura de Amor. Assim já sei para onde vou.

3 Responses to “Quimpostor”


  1. 1 Vera

    “A verdade é como a barba: pica. A mentira é fofinha, suave, lúbrica, como um pipi. E a barba pica o pipi”.
    delicioso!

  2. 2 QUIMPOSTOR

    muito obrigado. estes miminhos sabem bem. dão vontade de fazer melhor.

  3. 3 António PR

    Não tenho chapéu para tirar, que infortúnio… pois bem o mereces!
    Excelentes insights num caldo muito muito apurado e inflamante.

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