Depois d’A Cona de Picasso e d’As Mamas de Betty (alô Cotrim, daqui Rocha!), eis chegada a vez da rata mais conhecida e acarinhada do planeta ter neste jornal o seu devido destaque. Refiro-me não a Paris Hilton ou à já defunta Cicciolina, mas àquela que ficará para sempre conhecida como a Rata do Mickey – a Minnie.
A Minnie não é uma rata nova. Nascida em 1928, já passou ao longo dos seus oitenta anos por várias crises. A primeira foi logo nos anos 30, mas diz quem sabe que é uma coisa perfeitamente natural e que isso é o resultado do funcionamento do relógio biológico. Rata que é rata é como o capitalismo – volta e meia tem uma crise. Pelo menos é o que dizem os entendidos, porque eu, confesso, não percebo muito do assunto.
Mas a Minnie merece a minha atenção por outras razões. A verdade é que apesar de famosa e prezada por pessoas de todas as idades e sexos, a Minnie foi sempre uma rata preterida pelo seu companheiro Mickey, o que faz dela a rata mais mal fodida do planeta. Portanto, estando nós a viver a época natalícia, a minha atenção só poderia cair sobre alguém que tivesse sido humilhado, ofendido e, no caso, mal fodido. Mesmo que esse alguém fosse uma rata. Decidi por isso ligar-lhe.
Da primeira vez, não estava. Tinha saído para ir ao ginecologista. Mas da segunda, foi uma rata aos saltos de felicidade que confirmou a entrevista:
— Terei muito gosto – fez questão de referir – Mas tenho um pedido a fazer-lhe.
— Claro, esteja à-vontade – respondi.
— Eu gostava de ser entrevistada no Memorial. Acha que é possível?
— Bom – respondi mostrando alguma resistência – tenho medo de que essa não seja propriamente uma boa ideia. Não é por nada. Tenho a certeza de que no Memorial qualquer rata será sempre muito bem tratada, principalmente uma tão famosa como a Minnie. Porém, é provável que você saia de lá um pouco estafada. Sabe como são os “miúdos”, não podem ver uma rata que pensam logo em dar à língua. Não quer escolher outro sítio? O Bar das Primas, por exemplo…
— Hum… O Bar das Primas não. Deixe-me pensar… Que tal no Meco?
— No Meco parece-me excelente. Embora nesta altura do ano esteja um pouco frio – fiz questão de referir.
— Não faz mal. Sabe que para uma rata o frio não é problema – salientou, tentando ser engraçada – e a que horas?
— Às 15h, parece-lhe bem?
— Às 15h não, porque tenho depilação. Pode ser às 16h?
— Combinado – confirmei – às 16h no Bar do Peixe.
À hora marcada, a rata lá estava. Era uma rata pontual. Pontual e extremamente bem conservada para a idade. Não havia uma ruga, uma pele caída – nada – a rata de tão esticada parecia a Cher.
— Antes de mais, deixe-me dizer-lhe que está com um aspecto fantástico para a sua idade. Algum segredo especial? – perguntei curioso.
— Não, nada de especial. Apenas algum cuidado com a alimentação. Dou prioridade aos legumes e tento evitar a carne, principalmente enchidos.
— Não me diga que é uma rata vegetariana? – perguntei surpreso.
— Não, não. Nada disso. Continuo a gostar muito de carne. Porém, podendo, evito. Na minha idade não é aconselhável.
— Pois eu era capaz de apostar que você tinha posto silicone nos lábios – afirmei desconfiado.
— Isso são as más-línguas – afirmou com um sorriso malandro – os meus lábios sempre foram grossos, carnudos, apetitosos.
— Não tinha essa ideia, mas acredito que sim. Porém, esse atributo não parece ter sido suficiente para convencer o Mickey a levá-la ao altar – afirmei com algum cuidado.
— É verdade, o Mickey nunca gostou muito de ratas de lábios grossos. Mas essa não foi a principal razão para não termos casado. Na verdade os casamentos não existem no mundo do faz-de-conta.
— Estranho – retorqui – porque os casamentos são eles próprios um mundo de faz-de-conta. Aliás, não é essa a versão que corre por aqui…
— Ai não?… Então qual é? – perguntou-me com uma certa indignação.
— Segundo consta, quando o Mickey a conheceu você já não era uma rata virgem. Daí ele nunca ter assumido nenhum relacionamento consigo.
— Isso é absolutamente falso. Quando conheci o Mickey eu era uma rata ainda por estrear. Porém, mais tarde, conheci um gato e sabe como é a natureza das coisas: a um bom gato dificilmente uma rata consegue escapar.
— Compreendo – assenti com resignação – mas também percebo que isso não tenha cheirado bem ao Mickey.
— Não diga isso, que eu gasto fortunas em perfumes – afirmou preocupada.
— Alguma marca em especial?
— Sim, uso sempre o Aseptal Summer Edition. Porém, o Dystron Eau D’Eté também não é mau.
— Há-de experimentar o Lactacyd Pour Femme – recomendei – para perfume de Inverno é muito agradável.
— Sim, também já usei. Sabe que podem chamar-me de tudo, menos rata fedorenta.
— Mas olhe que é pena, porque sempre podia acabar na SIC Mulher a fazer programas de humor aos domingos à noite.
— Mas para isso era necessário ter estudado na católica. E se há coisa que não faço é ir à missa. Nem ir à missa nem frequentar bibliotecas.
— Quer você dizer que não é nem rata de sacristia nem de biblioteca. Mas então, o que é que a move?
— Neste momento procuro o ponto G da minha vida – confessou.
— Mas isso não é um mito?
— Dizem que sim, mas todos nós precisamos de acreditar em alguma coisa, não é verdade?
— A conversa está a tornar-se um bocadinho metafísica. Não lhe parece?
— E qual é o mal? Lá porque sou uma rata não posso dedicar-me a problemas mais profundos?
— Sim, claro que pode. Mas estava à espera de outras motivações: casar, ter filhos, ser feliz para sempre, enfim… aquele tipo de objectivos que as ratas costumam ter.
— Bom, isso não está posto de lado. A propósito, já tem programa para hoje à noite? – perguntou-me insinuando-se, enquanto passava as mão pelos lábios.
A imagem era terrível e o meu estômago sensível de mais para aguentar semelhante coisa. Decidi sair dali. E antes que pudesse arrepender-me de algum gesto ou palavra irreflectida, achei por bem pôr um tampão na conversa.
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