O Sexo e a Idade

img_7823
Enquanto consumidor implacável de filmes e de séries televisivas sem qualquer critério, na lógica de you get what you give -, cometi o erro de, encontrando-me sozinho num supermercado e com algum tempo nas mãos, comprar uma das temporadas de “O Sexo e a Cidade”. Tinha visto alguns episódios dispersos; nunca liguei nenhuma. Porém, desde que alguns amigos, que tinha em boa conta, começaram a citar frases e situações da série, fiquei curioso. Confesso que já sabia mais ou menos ao que ia, sobretudo depois do filme que deixara grupos de raparigas em lágrimas e, por isso, sentei-me no sofá e comecei a assistir aos episódios.

E agora vou explicar tudo o que está errado na série e a razão pela qual “O Sexo e a Cidade” faz mal às mulheres que assistem ao programa – e, por consequência, aos homens que com elas habitam.

1. Em primeiro lugar, ninguém e eu sei como é, que tenho muita experiência é capaz de beber tantos martinis e cosmopolitan sem engordar. O álcool engorda, é um facto reconhecido, mas Carrie Bradshaw parece ser imune. Dei-me ao trabalho de os contar: durante os primeiros oito episódios da terceira temporada, Carrie emborca 12 martinis e 16 cosmopolitan, nos lugares e às horas mais inconvenientes. Carrie bebe ao pequeno-almoço, ligeiramente após o pequeno-almoço, pelo dia fora, pela noite dentro, no bar, no quarto, no restaurante; qualquer ocasião serve para Carrie meter um ao bucho. Se isto não é um incentivo ao alcoolismo entre as raparigas que assistem ao programa, não sei o que será.

2. Em segundo lugar, Carrie Bradshaw – como tantas vezes se repete no guião – faz tudo de maneira fabulosa. Ora, isto é impossível para qualquer pessoa que queira ter um dia de trabalho superior a cinco minutos, sem que o resto do tempo seja passado a tomar todas as providências para que tudo corra de maneira espectacular. Até nos pequenos momentos de introspecção, em que a maior parte de nós tem o dedo no nariz ou aproveita para se coçar, Carrie insiste em ser uma diva, teclando a banalidade mais inútil de que os argumentistas se conseguiram lembrar no computador portátil enquanto faz boquinhas e finge que pensa: “Serei eu uma vaca, ou será que tirar conclusões de facto não é comigo?” Se isto não é de uma boçalidade a toda a prova, não sei o que será.

3. “O Sexo e a Cidade” não raras vezes me deixou sem fome. Tendo preparado uma refeição majestosa para assistir aos primeiros episódios, cedo descobri que seria difícil levar o que quer que fosse à boca. Uma coisa é adoptar uma perspectiva liberal; outra é o despudor sem freio. Ainda não tinha levado a segunda asa de frango à boca e já se falava de períodos descontrolados (subtilmente apelidados de fluxo), de esperma com sabor a lixívia, do tamanho da genitália de todos os actores que entram na série. Pior do que tudo isto: existe uma personagem chamada Steve, o namorado de Miranda, que sofre não apenas de trissomia 21, mas também de incontinência anal e, na cena mais asquerosa que algum dia vi ou irei ver em televisão, exibem-nos as cuecas sujas de Steve que Miranda é obrigada a lavar. Se isto não é uma porcaria pegada, não sei o que será.

4. “O Sexo e a Cidade” pode bem ser responsável pelos maiores casos de desamor na vida das mulheres que assistem àquela fantochada. Se a culpa do massacre na escola de Columbine foi atribuída aos jogos de vídeo, a culpa do massacre dos relacionamentos contemporâneos, entre homens e mulheres, deverá ser inequivocamente atribuída a esta série. Não é incomum que as pessoas queiram reproduzir na vida real aquilo que vêem no ecrã; menos incomum ainda quando se trata de raparigas e das suas aspirações românticas. Mas o que Carrie e as amigas fazem aos homens escrutinando-os de cima a baixo, estabelecendo as regras mais idiotas, fazendo-os atravessar o purgatório para chegarem, descabelados e miseráveis, ao inferno de uma relação com qualquer uma daquelas quatro megeras – é, no mínimo, um comportamento criminoso. Qualquer pessoa qualquer uma -, quando analisada à lupa, é um micróbio gigante cheio de desagradáveis imperfeições. Seria interessante, na verdade, que num episódio que nunca chegou a acontecer, quatro homens analisassem as quatro megeras à lupa, para que elas reparassem que, debaixo da maquilhagem, dos sapatos Jimmy Choo e das carteiras Fendi, se encontra gente tão suja e miserável como qualquer outra. Mas isso, infelizmente, nunca chega a acontecer; e, se isto não é muito conveniente, não sei o que será. 

5. O que me traz ao último momento deste ataque sistemático e consistente a uma das piores séries de televisão que alguma vez tive o desprazer de ver: a faixa etária das protagonistas. Sobretudo a idade avançada de Samantha, aquela mulher fabulosa coberta de rugas e de botox, que dorme indiscriminadamente com homens, mulheres, e alguns fabulosos indecisos, apelida os parceiros de cocks e dicks e usa a fabulosa palavra fuck para descrever tudo o que não seja estar quietinha. Estão a ver, eu confesso: tenho um certo problema com mulheres deste género. Não é um problema moral, não, de todo  sou completamente a favor do sexo inseguro. O meu problema é com a maneira como ela fala; lá no meu bairro, temos uma expressão para este género de linguajar, que é boquinha de esgoto. Como a mulher tem praticamente a idade da minha mãe, e eu detestaria ver a minha mãe a fazer aquelas figuras  muito menos a dizer palavrões a torto e a direito -, é natural que, sempre que ela surge no ecrã, eu me encolha todo no sofá com a asinha de frango entre os dedos. E as outras três também já não têm idade para aquelas coisas. Se isto não é um erro de casting, não sei mesmo o que será.

5 Responses to “O Sexo e a Idade”


  1. 1 Carolina Ricarte

    Resposta ao artigo “O Sexo e a Idade” de João Tordo

    Depois de ler o artigo escrito por João Tordo não consegui deixar de ficar profundamente chocada com a visão machista e preconceituosa com que este “homem” vê a “mulher”!
    Não digo a série, porque na realidade o artigo não critica a série mas sim a mulher de hoje e a sua nova postura na sociedade.
    Parece-me que o João não começou com o pé direito nesta história, mas sim, com uma postura preconceituosa e tacanha. A referida série é composta por várias temporadas e o João limitou-se a criticar uma delas, descontextualizando-a.
    O João diz no seu artigo “(…) E agora vou explicar tudo o que está errado na série e a razão pela qual “O Sexo e a Cidade” faz mal às mulheres que assistem ao programa – e, por consequência, aos homens que com elas habitam. (…)”
    Agora vou eu explicar tudo o que está errado na opinião de João Tordo, e a razão porque faz mal aos homens que leram o artigo – e, por consequência, ás mulheres que com eles habitam.
    1.Porque é que as mulheres não podem beber álcool sem que sejam olhadas de forma duvidosa? E será que Carrie é uma alcoólica por beber socialmente em bares e em situações de crise pessoal? Além disso, a série é passada num período alargado no tempo e não uma descrição diária da vida das personagens.
    2.Carrie faz tudo de forma fabulosa? A mim parece-me que a visão de João em relação a isso é um pouco superficial, e explica-se pelo facto de apenas ter visto meia dúzia de episódios. Talvez não consiga até distinguir quando é que a personagem está vestida para sair ou em casa de pijama. E que mal teria se fosse sempre perfeita? Afinal estamos a falar de uma série de televisão, não passa de uma fantasia que tira a sua inspiração de situações da vida real.
    3.E por falarmos em vida real, nada mais natural do que a menstruação das mulheres e do esperma dos homens. Ou será que para o João não seja natural a franqueza e a verdade sem vergonha?
    4.O quarto tópico deixa-me ainda mais perplexa. Então seremos “nós” mulheres assim tão acéfalas que não tenhamos a capacidade de distinguir o Real da Fantasia?
    Talvez “a culpa do massacre dos relacionamentos contemporâneos” seja existir uma quantidade incrivelmente grande de homens que ainda estão presos aos princípios e conceitos do século XIX. Grave, não acham? Atendendo ao facto de já estarmos no século XXI.
    O João fala ainda, do escrutínio que as personagens fazem aos homens, coisa que os homens sempre fizeram em relação ás mulheres e usando critérios ainda mais ridículos e ofensivos. Talvez na série isto seja exagerado, mas de qualquer forma não passa de uma série cujo intuito é fazer uma critica social aos nossos comportamentos, e aqui digo NOSSOS, tanto dos homens como das mulheres.
    5.Por fim a cereja em cima do bolo: Até que idade é aceitável para uma mulher ter uma vida sexual activa ou dizer palavrões? É certo que os palavrões não são bonitos, não os defendo. Só num ambiente amigável e descontraído nos atrevemos a proferir tais vocábulos, e sendo uma série televisiva dependente das audiências, pretende chegar mais perto dos seus espectadores e esta é uma forma subliminar de o fazer.
    Quanto á idade aceitável para se ter uma vida sexual activa, é uma questão ridícula. Nos dias de hoje, com os cuidados de saúde e consequente aumento do tempo de vida com qualidade, não é de todo de espantar que as pessoas tenham uma vida sexual activa até que a saúde lhes permita. Coitada da sua companheira quando atingir os 40! Para si estará velha e acabada! O que fará o João então? …

    Em suma, a série “O sexo e a Cidade” não é mais do que um retrato da nova mulher, da mulher do AGORA, que quer mais para si mesma do que um marido e um rancho de cinco filhos. A série só mostra que há mais para nós Mulheres! E que é nosso direito exigi-lo!
    Exigi-lo não só dos homens mas também da sociedade!

    Carolina Ricarte 23.01.2009

  2. 2 Susana

    Aqui vai um comentário diferente… Lindo! Adorei! Confesso que nunca me dei ao trabalho de assistir a mais do que dois ou três episódios da série mas não descreveria de melhor maneira aquilo que penso sobre ela.
    Não entendo porque raio a dita mulher do AGORA não há-de querer seleccionar minimamente os parceiros ou porque raio ser uma puta seja sinónimo de grande segurança pessoal… De onde veio a ideia maluca de que a monogamia é sinal de insegurança??!
    Infelizmente, a série retrata a emancipação feminina que na minha opinião de fêmea é uma coisa conpletamente louca… Porque havemos de nos querer igualar aos homens se somos diferentes?! Uma coisa é querermos sair de uma posição histórica de inferioridade (igualmente ridícula), até porque a coisa não se coloca nesses termos, agora sermos iguais não somos… E na minha opinião nem deveríamos pretendê-lo, toda a gente sabe que energias iguais se repelem… De que maneira nos vamos completar ou transmutar sendo iguais? Temos de nos valorizar rebaixando os outros? Será o propósito da humanidade ficarmos todos altamente promíscuos e egocêntricos…?
    Se calhar este meu discurso é apenas uma questão de moralidade, mas qual é o mal de termos alguma moralidade, não combina com o AGORA,
    com o séc. XXI?
    Espero bem que o próximo passo evolutivo não seja considerar o incesto ou a pedofilia como direitos de expressão do amor livre…
    Estará tudo doido ou encarnei no século errado…???!

  3. 3 ffiffas

    Não Susana, não acordou no século errado, mas aquilo que critica e bem em nada tem a ver com a série… em nada mesmo! Ou seja, acho bem que defenda os valores em que acredita, que não são muito diferentes dos meus, mas num contexto em que faça sentido, não no contexto de um crítica à série que em nada se opõe a esses valores.
    Para alguém que conhece bem a série estas críticas (incluindo as do autor) são um absurdo e eu estou à vontade para falar porque conheço muito bem, mas não sou grande fã… prefiro outros géneros.

  4. 4 Ana C

    Meninos calma lá com vocês, é apenas uma série. Cada um a vê e intepreta à sua maneira. Ninguém pode ser criticado por gostar dela, nem por não gostar dela. Cada um gosta daquilo que gosta. Tanta intolerância…
    Pois eu gosto do Sexo e da Cidade, não gosto da série 24, adoro a Série Erva, não adoro o Perdidos, gosto de Irmãos e Irmãs, sete palmos de terra e não gosto do Lipstick Jungle.
    Se gostássemos todos do mesmo, os criadores de séries estavam bem tramados:)

  5. 5 Raquel

    Digam o que disserem, a verdade é que não conheço nenhuma outra série que gere tanta discussão.
    Só por nos fazer pensar e discutir sobre homens, mulheres, sexualidade, relações, entre outros temas tão ou mais controversos já fez mais que muitas outras.
    Sou fã da série. Adoro tudo.
    Sei que cada um tem a sua opinião e respeito, mas acho redutor falar de uma série de forma tão cheia de certezas sem sequer se ter visto a mesma do início ao fim, é como criticar um filme sem o ter visto todo.

Comments are currently closed.