Aviso
Esta coluna dedica-se à análise de grandes letras da história da pop, desrespeitando deliberadamente quaisquer direitos (ou intenções) do autor.
SUSSUDIO
Phil Collins, 1985
Em 2005, durante a campanha eleitoral em Inglaterra, Noel Gallagher, esse brilhante comunicador do gabinete pop do departamento de cultura do governo inglês, ameaçou os eleitores britânicos com o regresso de Phill Collins a Inglaterra, e o abandono do seu retiro na Suíça, caso os conservadores ganhassem as eleições. Não ganharam e segundo posteriores indagações este foi apenas mais um facto dessa construção, digna de uma análise baudrillardiana, que considero ser uma das maiores conspirações do século XXI. Desconfio que Noel fazia o papel de Toupeira Pública – ou seja, alguém que é secretamente de uma facção mas aparece publicamente a criticá-la para disfarçar a sua filiação e assim construir um mecanismo conspirativo capaz de iludir quase todo o mundo ocidental e eventualmente não parar ali perto de Istambul. Foi este facto que despoletou o meu interesse e que ao fim de algumas horas de pesquisa tomou de assalto a minha vida.
Tendo a concordar com aqueles que eventualmente me criticarão por ter escolhido um alvo fácil, longe da trama geopolítica que creio ter conseguido provar com a análise a esse tema de combate que é “Nikita”, aqui publicada em Novembro.
Mas estou confiante que o impacto social do que descobri, não sendo ainda um facto histórico comprovado é, sem dúvida, uma das maiores ameaças que enfrentamos este século. E mais uma vez vem disfarçada de êxito pop dos anos 80.
Tentarei provar a ousadia do meu enunciado dado que até hoje as únicas pessoas suficientemente lúcidas para perceberem o alcance desta conspiração são os autores de “South Park”, que no episódio “Timmy” de 2000, mostram uma população inteira de crianças viciadas em ritalina e em Phil Collins, facto a que nenhuma autoridade competente deu seguimento.
Depois de alguns contactos e algumas visitas a Stonehenge descobri que “Sussudio” é o exemplo porventura mais bem sucedido de um método de psicoterapia de massas criado pelo governo inglês nos anos 80, quando ainda no meio da crise, a população começou a apresentar níveis de serotonina assustadoramente baixos, e se começava a desenhar um cenário de depressão global.
Estamos na primeira metade da década de 80, o Prozac era ainda uma miragem e a questão da depressão mais uma matéria de conversa entre académicos e departamentos de saúde. Não obstante os aturados contactos do governo inglês com a indústria farmacêutica nenhum grande laboratório possuía ainda solução terapêutica para o tratamento em grande escala da depressão.
Daí que não creio que seja preciso tomar nada para imaginar a imagem de um dos ministros de Margaret Thatcher com ar desesperado a ligar para o escritório de Phil Collins.
Encarado como solução de último reduto e perante um desafio de curar um país inteiro, Phil Collins armou-se do mesmo tipo de mentalidade com que tinha anteriormente derrotado Peter Gabriel.
Não era psiquiatra e os livros de auto–ajuda ainda não existiam nas lojas de conveniência que ele frequentava. Portanto, deitou mão ao conhecimento que tinha e decidiu enfrentar a tarefa com determinação.
“Sussudio” é o nome do cavalo da filha de Phil Collins e um dos códigos míticos da sociedade secreta dos Horse Whisperers, usado como substituto da anestesia em algumas operações espirituais.
A ideia era simples. “Isto é uma espécie de ‘um nada virginal’ – disse Phil ao incrédulo ministro à hora do chá depois de mostrar a primeira maquete – é uma espécie de placebo musical, ‘tá ver… piquei os synths do “1999” do Prince no meu
Prophet 5 e resultou assim como um mantra hipnótico que tolda qualquer sintoma de esclarecimento e induz o aumento de serotonina ao enganar o cérebro produzindo a noção que o mundo não passa disso mesmo – uma manifestação continuamente inócua; como é que eu hei-de dizer… é assim uma forma das pessoas desvalorizarem o dia-a-dia que me parece particularmente útil nesta situação, sr. Ministro” – concluiu entretanto, ao que este respondeu adormecendo.
Convenhamos que a ideia era boa. Basta ver o entusiasmo sincero de Patrick Bateman em “American Psycho”, enquanto se prepara para fazer um tratamento de esfoliação às suas roomates.
A ideia era boa mas era tão boa que fez backfire. E acabados os anos 80 fez mergulhar o mundo numa ressaca da qual ainda não recuperou.
A letra desta música transborda de uma inocência tão explosiva que transporta o ouvinte para um estado de irreflexão tal que torna impossível a infelicidade. Era ver, recuando até essa época, os rios de serotonina que eram despejados às primeiras horas da manhã nas filas da circular exterior de Londres sempre que na rádio se começavam a ouvir os primeiros e sibilantes acordes de “Sussudio”. A letra justifica essas reacções.
There’s this girl that’s been on my mind
All the time, Sussudio oh oh
Now she don’t even know my name
But I think she likes me just the same
Sussudio oh oh
A parte mais importante desta estrofe e que se repetirá ao longo de toda a música como uma entidade omnipresente, mesmo quando não verbalizada, é o oh oh oh.
Carregado de significado espiritual funciona como um ponto de fuga emocional, libertando a tensão provocada pela recusa sexual patente na estrofe e que mostra a primeira componente autobiográfica da canção referindo-se à repulsa que, enquanto jovem e pobre, também ele costumava provocar nas mulheres. O oh oh oh é a redenção, o “a vida continua e o que conta é o amor fraternal – oh oh oh”.
Oh if she called me I’d be there
I’d come running anywhere
She’s all I need, all my life
I feel so good if I just say the word
Sussudio, just say the word
Oh Sussudio
A segunda estrofe é uma tentativa de suavizar a marcas sociais que os anos consecutivos de altas taxas de desemprego tinham provocado, como que dizendo aos desempregados – ocupem-se com amor – o dia passa mais depressa se forem entusiastas e tiverem pensamento positivo – “um dia eu também vou ser chamado e irei correndo”.
Now I know that I’m too young
My love has just begun
Sussudio oh oh
Ooh give me a chance, give me a sign
I’ll show her anytime
Sussudio oh oh
Esta estrofe é uma nítida tentativa de aclamar a juventude da época, uma espécie de cravo e ferradura. O cravo no paternalismo evidente, naquela tentativa de compreensão dos problemas juvenis – “eu sei, eu também já fui jovem”. A ferradura na alusão a uma eventual sorte, a uma graça do destino que poderá surgir em qualquer altura, desde que eles se mantenham no ritmo programado.
Ah, I’ve just got to have her, have her now
I’ve got to get closer but I don’t know how
She makes me nervous and makes me scared
But I feel so good if I just say the word
Sussudio just say the word
Oh sussudio, oh
Esta estrofe continua a esvaziar os conceitos de medo, desvalorizando o perigo de derrocada emocional na relação com o mundo e os outros seres humanos. Uma espécie de “quanto mais me bates mais gosto de ti” em versão auto-ajuda.
Ah, she’s all I need all of my life
I feel so good if I just say the word
Sussudio I just say the word
Oh sussudio I just say the word
Oh sussudio I’ll say the word
Sussudio oh oh oh
Just say the Word
A última estrofe é uma espécie de estocada final da manobra de entorpecimento, “Isto é tudo o que precisas”, seguido de uma reza prolongada num fade que ecoa muito para além do fim do tempo efectivo de música.
Perfeito.
O problema é que passados uns anos “Sussudio” começou a perder efeito (o mundo entrou em negação e até a elegeu como a 25ª pior canção de sempre na VH1), e por mais tentativas que Phil fizesse, não mais conseguiu repetir exactamente a mesma receita, até porque os níveis de tolerância à terapêutica se tinham alterado. Voltaram os sinais alarmantes de depressão global e o próprio Phil começou a revelar um comportamento cada vez mais reservado e intimista, (vim a descobrir ser isto apenas uma fase de metamorfose, de vingança emocional face ao mundo. Mas já lá vamos.).
E onde é que a depressão se transforma na doença do século XXI? É que a partir desse momento de deslumbramento, toda a década de 90 e o início deste milénio são atravessados por uma enorme sensação de vazio e perda. Aquela emoção inicial que não mais conseguiu ser repetida, nem sequer pelos métodos químicos entretanto desenvolvidos. Em suma, o mundo aborreceu-se sem sussudio. Tudo nos chateia e tudo é complexo porque não temos a simples e horizontal satisfação de mergulharmos na narrativa collinniana. Aliás, está aí a explicação possível para o revivalismo dos 80 – é que não acontece nada de novo nestes últimos anos. Não houve desenvolvimentos tecnológicos relevantes, não houve avanços na medicina, não surgiram novas sonoridades, não houve guerra nem movimentos sociais fracturantes.
Não, tudo acontece e tudo é aborrecido. Desesperante.
Mas estou convencido que podemos estar descansados. Voltemos ao início e ao facto de Phil Collins viver na Suíça. Desconfio. Alguém já o viu na Suíça? Existem registos, fotografias, novas músicas? Aliás, alguém o viu nos últimos tempos? Há boas razões (confidenciais, por ora) para eu desconfiar que Phil Collins se metamorfoseou e tem um alter ego e procura voltar aos tempos em que o equilíbrio emocional do mundo era apenas um reflexo da sua actividade mental.
DR. PHILL, diz-vos algo? Façam o exercício, e acrescentem um bigode ao sr. Collins. Medo. Muito medo. E cheira-me que há Oprah nisto.
Para o próximo mês vamos dedicar a nossa atenção a uma das principais palavras de ordem do tempo actual – “Fuk you in the ass”, pelos Outhere Brothers.
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