Extrawelt

Passa das duas da manhã, falta mais de um ano para o milénio, está frio. Chego com o Paulo e o Delfim a uma terra na outra margem, à beira rio, em frente à varanda do Lux.

Perguntamos a direcção do clube a um velho que está na rua. Ele, depois de a dar, diz-nos que durante a noite várias pessoas têm perguntado pelo mesmo sítio.

Agradecimentos e sorrisos, expecta-tiva e antecipação, nervoso miudinho. Pressa.

As últimas partes destas viagens fazem-se sempre devagar, ao adivinha, jogos de pista para escuteiros sonoros, que acabam invariavelmente no parque de estacionamento de um local improvável.

O dia vai alto agora, Lisboa acordou do lado de lá e eu digo ao Paulo que não consigo parar de dançar.

Mais tarde releio o nome dos culpados num rectângulo de cartão rígido, do tamanho de um cartão de visita. O flyer que anuncia a festa da Hipnose. Spiralkinda, alemães. Estou, claro, muito longe de imaginar que haverá um reencontro, mesmo que noutra encarnação.

Entretanto passaram os anos e não me esqueci daquela noite. Dez anos, para ser exacto.

Passemos então ao reencontro:

O rio continua o mesmo, trocamos de margem. Local: Cais da Pedra a Santa Apolónia – Lux. O caminho é mais curto e fácil. A razão porque o percorro é a mesma: ouvir uma e outra vez aquele techno alemão de baixos fortes, cheio, escuro e industrial.

Esse techno de que falo já não é o mesmo. Mudou de nome, refinou-se, viu mais mundo, ouve-se tão bem na sala como se dança na pista, mas continua a ter sobre mim o poder de me fazer dançar. Quer eu queira quer não.

Não sou certamente a única vítima desta síndrome, tendo em conta que os discos dos Extrawelt (antes que me esqueça, é deles que vos falo) já foram editados por editoras como a Cocoon ou a Border Comunity. Ou seja, e para usar o esperanto actual: cutting edge dance music! 

Mesmo quem não sabe os nomes destas coisas (no fundo o que interessa mesmo é dançar, não é?), já dançou, quase de certeza, originais ou remixes dos Extrawelt em várias das boas noites destes últimos três anos.

Os Extrawelt, dois alemães de Hamburgo com muitas horas de live no curriculum, são daqueles que justificam a saída de casa e, se for caso disso, a viagem. Oferecem-nos sempre um som que é simultaneamente familiar e surpreendente, épico sem cair em facilidades e imponente sem se tornar demasiado pesado e sempre hipnótico. Ao ouvi-los percebemos porque é que estes sons vêm de zonas industriais, de capitais do automóvel. Percebemos porque é que muita da produção musical foi deslocalizada para a Alemanha. E acima de tudo lembramo-nos porque é que não paramos de sair de casa a más horas, para mergulhar na sala escura que se esconde atrás daquelas pernas.

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