Archive for the 'Junho 2009' Category

Nº9 / Maio

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“Metamorphoses – O Delírio da Valsa”, Rafael Bordalo Pinheiro, 1877

A capa do Nº 9 / Junho animada em vídeo por 2m.

Os bigodes de Bordalo

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No grande teatro em que soube transfigurar a sua vida, Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) buscou sempre belas companhias. Não digo agora as amorosas, as da beleza, as da amizade. Nem as míticas de povo ou de república. No grande circo em que foi trapezista e apresentador, funâmbulo e cuspidor de fogo, palhaço e devorador de facas, fez-se sempre acompanhar, qual domador, de infindável lista de seres vivos, concretos e palpáveis ou fantasistas e delirantes. Neles encontrou beleza, amizade e mundo. Reproduzindo os sussurros contados da noite dos tempos, os seres de Bordalo ora vagueavam em preguiça naturalista para criar ambiente, ora assumiam características que comentavam esta ou aquela humana figura. Antes da política ser porca amamentando leitões, desfilaram, saídos da sua pena, cães e ratazanas, jacarés e tigres, pavões e bois, macacos e elefantes, burros e aranhas, carochinhas e ursos, patos e cágados, até micróbios, sem esquecer dragões. Neste íntimo bestiário, destaca-se a negro bem tintado sua excelência o gato.

Nas páginas de Bordalo, desconfio bem que da primeira à última, há pêlo de gato. De início, são apenas companhia para vadios. Românticos ou nem tanto, fazem-se sinal de pobreza, de rua, de libertário e infindável passeio. São parte da paisagem nos telhados. Além da elegância, da desregrada sexualidade, da liberdade e da viagem, aos olhos de Bordalo possuem a notável capacidade de se assanharem: de se abrirem em arco, crescendo e bufando, projectando garras a ponto de se tornarem temíveis. Por isto ou aquilo, por medo ou afirmação, por causa do cio ou sobrevivência. Assim como modo de ser ou projecto de vida.  Continue reading ‘Os bigodes de Bordalo’

Quimpostor

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Vou-vos dizer a verdade: Eu minto.
 
Não quero ser derrotado, quero render-me.
Quando os corações velhos aprendem amores novos, o mundo recebe na cara cínica que tem, uma escarreta de esperança.
É bonito e corajoso, isto de amar outra vez.

Durante muito tempo pensei que o amor era um exercício de equilibrismo – bonito pelo desastre iminente, difícil por ser impossível o dar ser igual ao receber. Mudaram a minha ideia e a minha experiência. Não estou a aprender a amar de novo, estou a perceber outro amor. Desta vez não é dois contra o mundo, nem um a salvar o outro. Desta vez estou ligado, sem tratados e mesmo assim unido. Não estamos, somos juntos. E percebi agora que nenhum inglês poderia dizer assim este amor.

Já vos disse que sou Outro Romântico e que acredito que o amor se deve espalhar como manteiga. Ser um pinga-amor é mil vezes melhor do que ser um pinga-na-
-cueca. De que vale um amor guardado? O amor não vale mais por ser vintage, ou estar em mint condition. Ama tudo muito, ama tudo o que conseguires, sempre de peito escancarado. E isto é o que tenho vindo a perceber e a insistir em acreditar. Mas depois há o medo. Continue reading ‘Quimpostor’

The Subs

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Shhh. São um segredo bem guardado, subterrâneo, para conhecedores convictos. Isto nos dias que correm é uma verdadeira proeza. Estamos todos à espera que rebentem e aqui por estas bandas acreditamos que vai ser agora, já. Os The Subs têm nome de trio duvidoso de outras décadas mas afinal descobrimos que são três, sim, mas nada típicos, pois. Nos concertos, Wiebe Loccufier aka Tonic (do DJ-duo Starski & Tonic), Stefan Bracke aka l’entrepreneur (dos Foxylane) e Jeroen De Pessemier aka Papillon, são literalmente dois-DJs-e-um-microfone–e-sintetizador. Estes rapazes belgas não se escondem por trás de laptops. Começaram com “Kiss my Trance”, uma piada que se tornou um hit, e “Subculture” é o disco de estreia. Acontecem coisas algo estranhas nos concertos dos The Subs. E mais não digo, toca a pesquisar. Ah! E eles não tem medo nenhum dos Dire Straits.

Straight eye for the queer guy

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Os rapazes que gostam de raparigas temem os rapazes que gostam de rapazes. E acham que as coisas de macho a sério são exclusivas dos heterossexuais. Mas tantas vezes os hetero são mais mariquinhas que os homo. 

Os homens hetero têm medo dos homens gay. Medo do contágio da outra orientação sexual, medo que pensem que são panascas. Um exemplo: eu e um dos meus irmãos, na fila do supermercado. Os dois sem barriga e com cara de quem usa creme depois de fazer a barba. Perante o olhar dos estranhos, um de nós disse: “Devem pensar que somos panilas.” Outro exemplo: há uns anos, em Nova Iorque, uma portuguesa cruzou-se comigo num restaurante, tínhamos amigos em comum, mas nessa noite nem falámos. Na segunda vez que estivemos frente-a-frente, e passámos ao jogo do álcool e da sedução nocturna, ela disse: “Pensei que fosses gay.” Eu, um pouco insultado, com as sobrancelhas a subir na testa, questionei: “Porquê?”.
E ela, aliviada com a afirmação da minha heterossexualidade, pronta a esquecer as minhas escolhas de vestuário, respondeu: “Porque tinhas uma camisola de gola alta”. Um derradeiro e inesperado exemplo: estou a escrever este texto, agora mesmo, num café do Chiado. O empregado, estrangeiro, cabelo rapado e bícepes de pesos e halteres, inicia uma conversa comigo em inglês. Penso se será homossexual, analiso as suas intenções quando pergunta sobre o meu sotaque excessivamente americanizado. Desconfio. Mas será que a empregada atrás do balcão, de lábios cor de cereja e barriga desvendada, teve também esta pulsão de levantar a guarda quando tentei ser engraçado com ela, apenas há alguns minutos?  Continue reading ‘Straight eye for the queer guy’

Estamos aqui para ser felizes

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Ser feliz é uma coisa que irrita muita gente. Ver alguém fazer por isso, irrita muito mais. O Huxley, por exemplo, dizia que podia simpatizar com a dor das outras pessoas, mas nunca com os seus prazeres, porque entendia haver qualquer coisa de extremamente aborrecido na felicidade alheia. 

Aborrecida ou não, a verdade é que a questão da felicidade sempre foi muito dramatizada e sempre conheceu inimigos. Ao longo dos tempos, foram vários aqueles que se esforçaram por demonstrar que a felicidade, especialmente no sentido hedonista e moderno do termo, não passava de um objectivo de vida errado e enganador. E mesmo aqueles que a defenderam, como os utilitaristas e os epicuristas, sempre fizeram questão de separar os prazeres superiores, os intelectuais, dos prazeres inferiores, os sensíveis: ser feliz sim, mas com método e moderação. 

Mais ou menos alheios a estas discussões filosóficas, a verdade é que os seres humanos, dos mais cultos aos mais ignorantes, sempre elegeram a felicidade como objectivo de vida. E ao longo da história foram desenvolvendo diversos métodos e fórmulas de a atingir. 

Mas a verdadeira mudança aconteceu com a Revolução Americana e com o afirmar do direito à felicidade como valor político. Depois disso, o mundo nunca mais foi igual. A ideia de que todos os homens têm direito ser felizes foi tão grande e tão fecunda, que acabou por inspirar todos os movimentos de libertação que se seguiram. Sem ela seria impossível imaginar o fim do colonialismo, da escravatura, do racismo ou mesmo descobrir um sentido para os movimentos que lutam contra a discriminação com base na religião, sexo ou orientação sexual. Se hoje vivemos todos um pouco melhor, muito se deve à ideia de felicidade e a todos os homens que souberam lutar por ela. Continue reading ‘Estamos aqui para ser felizes’

Sean Riley & The Slowriders – A viagem continua

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Conhecem os mitos do rock’n’roll, as aventuras da folk, as personagens da soul. Conhecem essa história tão bem que inventaram uma para si. E cantam-na de forma tão convincente que não há espaço para a suspensão de descrença. Acreditamos neles, seguimo-los. Sean Riley & The Slowriders. Apresentam o segundo álbum, “Only Time Will Tell”, dia 5 de Junho.

Bob Dylan nunca parou de nos explicar como é que funciona. Obliterou o passado de miúdo obcecado com o rock’n’roll, chegou a Nova Iorque de viola às costas e inventou um percurso de deambulações pelo sul dos Estados Unidos, trocando canções com bluesmen e oferecendo outras, suas, ao povo com que se cruzava.

Pegou na guitarra, lá em Greenwich Village, e cantou as canções do cancioneiro oficial. Pegou na guitarra, passou os olhos pelas notícias do jornal e misturou tudo: as notícias, as canções de Woody Guthrie e do Reverend Gary Davis, os homens que vagueavam, misteriosos, rua fora, e aqueles outros que se passeavam pelas páginas das enciclopédias e dos romances que o ocupavam em casa de amigos mais abonados que ele, miúdo de 20 anos acabado de chegar a Nova Iorque vindo de Duluth, terriola do Minnesota.

Bob Dylan, esse que agora que está perto dos setenta, nunca parou de nos explicar que a folk e a pop e o rock’n’roll são feitos disto: uma suspensão da descrença que não o é realmente – não chegamos a descrer, porque ali se transporta uma verdadeira realidade. Continue reading ‘Sean Riley & The Slowriders – A viagem continua’

James Holden e Ricardo Tobar – O repetente e o caloiro

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James Holden regressa à cabine do Lux na noite de 5 de Junho para nos oferecer um DJ set. Na mesma noite estreia-se em formato live o chileno Ricardo Tobar. Fazem ambos parte da editora com um dos nomes mais bem escolhidos dos últimos anos: A Border Comunity, que Holden criou e baptizou em 2003.

A Border Comunity faz jus ao nome. Está numa fronteira mal definida da música electrónica. Num território estranho onde se juntam deep e progressive house,
techno, trance, minimal, indie rock, ou o que daí resulta, para criar um som que não é fácil e muito menos consensual, mas que é certamente um dos mais singulares e surpreendentes que se podem ouvir numa pista de dança por estes dias. É uma comunidade de poucos membros, que não se preocupa só com a pista de dança. Que adora descobrir novas máquinas e novos territórios sonoros, todos traduzidos nas múltiplas variações que já sofreu a paisagem bucólica que é o seu ícone.

Não digam a ninguém, mas um dia destes compro um dos vinis da Border Comunity só para ter o prazer de colorir a capa. A verdade é que não devo ser o único com este desejo, porque o moinho entre os montes e as nuvens tão depressa é transformado pelos fãs numa imagem digna das melhores ilustrações de livros infantis, como numa boa capa para um conto de Edgar Allan Poe. Continue reading ‘James Holden e Ricardo Tobar – O repetente e o caloiro’

Yuksek e Brodinski

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Un grand lit deux places, s’il vous plaît!

(Cama de Casal francesa no Lux) 

 Na cama, a privacidade não se controla. O corpo deixa as defesas de lado e relaxa.
Dividir cama com alguém, é aceder a um nível de conhecimento diferente. Conhecem-se os compassos respiratórios do outro e descobrem-se ruídos que contam sobretudo a intensidade dos sonhos. A cama é o local onde o silêncio se transforma em alfabeto e a proximidade da pele ganha a força de um gesto afável.

No Lux, a cama é a cabine, o alfabeto é a música, os sonhos são a dança. Dois DJs na mesma cabine partilham escolhas musicais. Olham um para o outro em silêncio, mas no silêncio comunicam, é a intuição que os guia na música que tocam. 

Depois de Rui Vargas e Kristian Beyer, de  Ivan Smagghe e Tim Paris, de Yen Sung e Heidi terem partilhado a cama do Lux, chega a vez de mais dois rapazes franceses, dois amigos inseparáveis. 

Yuksek e Brodinski são os novos prodígios da música electrónica made in France. Nos últimos meses os nomes deles têm feito correr muita tinta na imprensa francesa. Apadrinhados pelos grandes da electrónica mundial, este Verão serão certamente consagrados pelo público do mundo inteiro. Será, por isso, uma cama excitante que nos vão fazer em Lisboa. Explosiva.  Continue reading ‘Yuksek e Brodinski’