História das palavras trocada por miúdos

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Há palavras que cheiram mal, tornam-se obsoletas e gangrenam semanticamente até se perderem em livros obscuros ou em pensamentos anacrónicos. Cheiram mal porque se tornam tão datadas como os poemas que escrevemos na adolescência e passam a partilhar o bafo fétido com as famigeradas onças, as tais que mantém pequenas quantidades de carne apodrecida entre os dentes. Palavra convidada – “Bafiento”. O adjectivo “bafiento” fede e nem todos o sabem. Certos jornalistas e incertos autores insistem na sua cruzada necrófila e, de quando em vez, lá encontram o bafio à meada e a palavra regressa do reino dos Fungi, usualmente para criticar um movimento, já por si moribundo. Romantismo, clericalismo, anarco-sindicalismo ou qualquer forma de idealismo. Senhores escribas, “bafiento” está na mesma categoria de “fornicação”, só é plausível quando usado por velhos eclesiásticos ou por jovens moças possuídas. Aliás, as expressões que classificam se algo é perene ou não, acabam por morder a própria língua e provar do próprio bolor. Bafiento é uma palavra bafienta, tal como démodé ficou démodé, out está out e arcaico é um termo que (ar)caiu definitivamente em desuso. Na árvore genealógica da podridão, “bafiento” vem de “bafio”, filho de “bafo” que tanto pode designar o cheiro desagradável que a boca expira, como, no sentido figurado, uma inspiração. O consenso entre filólogos é que “bafo” tem uma origem onomatopaica, sendo semelhante ao som do ar exalado pelos pulmões. PRRRT! BAFF!

“Bafiento” cheira a mofo, a fungos, a colónia de bacilos, todos eles companheiros de decomposição que se multiplicam inadvertidamente em matéria orgânica. Na maioria das vezes são mal recebidos, mas têm uma carreira de sucesso na produção de queijos, nas leveduras da cerveja e, claro, na medicina. Londres, 1928, laboratório do Dr. Alexander Fleming que estuda uma virulenta espécie de estafilococos. Assim que entra, o bacteriologista repara que uma das placas de cultivo, abandonada fora da incubadora, apresenta manchas de bolor esverdeado. Descobre então que o fungo Penicillium notatum havia eliminado as bactérias pré-existentes. Nascia a penicilina: antibiótico com estrela no passeio da fama, arqui-inimigo de pesos-pesados como a pneumonia ou sífilis. Humilde e bafejado pelo bafio, Fleming declarou que foi tudo por acaso. Certo é que os fungos, que até 1969 eram considerados vegetais, ganharam o seu reconhecimento, abandonaram os cantos húmidos da existência e são hoje aceites nos mais diversos círculos, quer seja um cogumelo alucinogénio que se passeia pelas melhores smart shops ou a mais cara das companhias dos grandes chefs: a trufa. E, por falar em higiene, faço um apelo aos amigos das onças e dos escribas: digam-
-lhes para escovarem regularmente a língua, é que a saburra lingual é como a verborreia bafienta: cheira mal.

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